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Destaques

TEMPERATURA GRANULAR

Por Paulo Rodrigues      Certo dia, um astrônomo ao ligar o rádio, se depara com o locutor narrando em tempo real a queda de temperatura naquela localidade: “Cinco graus Fahrenheit, quatro graus...três graus...”, diz o radialista atônito. E então, finalmente, ele anuncia: “se continuar assim, logo não sobrará mais nenhuma temperatura!”. ¹      Embora esse anedótico acontecimento demostre um grande desconhecimento sobre os princípios da termodinâmica, ele também nos traz à tona algumas questões interessantes relativas às escalas de temperatura. Muitos pesquisadores elaboraram suas próprias escalas, no entanto, atualmente as três mais importantes são: a escala Celsius, Fahrenheit e Kelvin. Enquanto as duas primeiras permitem números negativos (o que torna ainda mais injustificável a conclusão do locutor de rádio), a escala Kelvin é “adepta” ao conjunto ampliado dos números naturais, adotando a noção de zero absoluto. O Movimento Granular      I...

O MUNDO ASSOMBRADO PELA LÓGICA


“A matemática é a única ciência exata em que nunca se sabe do que se está a falar nem se aquilo que se diz é verdadeiro.” (RUSSEL)∗

Por Paulo Vitor Rodrigues Aracaty

    O físico Húngaro Eugene Wigner laureado com o Prêmio Nobel de Física (1963), descreve sua perplexidade quanto a estreita relação do mundo empírico com a matemática no título de seu famoso artigo, em 1960, “A Implausível Eficácia da Matemática nas Ciências Naturais”. Embora, como enfatizado por Einstein(2), um dos ramos mais elementares da matemática tenha surgido umbilicalmente de noções ligadas às experiências dos sujeitos, como é o caso da Geometria (podendo ser considerada, em certo sentido, um dos campos mais antigos da física), nas últimas décadas a matemática adquiriu tamanha complexidade e abstração a ponto de alguns estudiosos do tema concluírem a sua completa autonomia. 

    Quando certos padrões, de causa e efeito, se repetem exacerbadamente na natureza é porque alguma constante universal está presumivelmente operando. A matemática, por sua vez, apesar de ser fruto de cérebros de primatas, perfaz um mundo à parte com suas próprias constantes. Assim como a constante gravitacional, a constante de Planck ou a constante da velocidade da luz no vácuo, que são inalteráveis, a constante matemática representada pela letra grega 𝛑 (Pi) sempre será 3,14159265358979323846…, independente da simbologia, ou sistema de numeração, utilizada para representá-la. Quando a imaginação começa a parecer tão real quanto a própria natureza, é porque possivelmente algo de importante está acontecendo. Este certamente é o quadro mais próximo de um possível mundo em seu sentido estritamente platônico. 

    Nem sempre as teorias matemáticas se desenvolveram ligadas às teorias físicas. Wigner, por exemplo, achava um grande contrassenso que uma ideia como a dos Números Complexos exercesse um papel tão fundamental na elaboração das leis da mecânica quântica, o que o levou a uma visão cética sobre essa relação. Os números complexos são compostos por uma parte real e uma parte imaginária e já haviam sido inventados há séculos. Embora, fossem importantes no campo matemático, não se esperava que eles tivessem a mesma relevância na física. 

    Quando o jovem físico Mitch Feigenbaum, em 1975, utilizava uma calculadora de bolso para efetuar a análise do comportamento de uma certa equação, ele percebeu que estava se aproximando cada vez mais do número 4,669…, e, ao utilizar outras equações, viu que o fenômeno matemático se repetia, o que o fez suspeitar que estava lidando com algo “mais universal”. Posteriormente o mesmo padrão foi encontrado em experimentos com hélio líquido. Ao refletirmos sobre as periodicidades típicas da natureza, nos deparamos com aquilo que o antigo mundo helênico chamou de “Episteme”, um conhecimento invariante. 

    Independente da idade, posicionamento político, credo ou nacionalidade, a episteme permanece a mesma, enquanto que a doxa (opinião), ou seja, o conhecimento variável, era uma ferramenta perigosa nas mãos dos inescrupulosos sofistas, na visão parcial do filósofo Platão. 

    A onipresença da matemática na natureza é equivalente àquela comumente atribuída aos deuses. Outrossim, em sentido Einsteiniano do termo, se pensarmos Deus como a própria natureza e suas leis físicas, e não como um sujeito, então a matemática seria a linguagem dos deuses? O astrofísico Mario Livio fez a seguinte indagação sobre a natureza da matemática em seu livro de 2009, Deus é Matemático?


    Se imaginarmos que entender se a matemática foi inventada ou descoberta não é tão importante assim, consideremos quão grave se torna a diferença entre "inventado" e "descoberto" na pergunta: foi Deus inventado ou descoberto? ou ainda mais provocativa: teria Deus criado os seres humanos à sua própria imagem? ou teriam os seres humanos inventado Deus à sua própria imagem? (LIVIO, 2009, p.23).


    Einstein, ao discorrer sobre o método axiomático de Euclides, escreve que o esforço de afastar a geometria do terreno enevoado do empirismo foi um dos fatores que proporcionou o sucesso dessa linguagem, processo que para ele foi análogo à "deificação dos heróis mais admirados dos tempos mitológicos". No século XX houve uma série de motivações sociais, políticas e econômicas que, para o historiador da ciência Steingard, impulsionaram certas transformações no campo matemático, de modo que a guinada rumo a obras de artes cada vez mais abstratas, como no expressionismo alemão, é comparável ao excesso de abstração que a matemática angariou nos últimos anos. A Geometria engessada, compilada no clássico “Elementos”, de Euclides, é virada do avesso. Porém, a axiomática euclidiana continua essencial para o desenvolvimento do formalismo matemático contemporâneo.

    Para alguns estudiosos, esse excesso de abstração trouxe efeitos deletérios. É o que Courant e Robbins apresentam em What Is Mathematics?


    uma séria ameaça à própria vida da ciência está implícita na afirmação de que a matemática nada mais é do que um sistema de conclusões tiradas de definições e postulados que devem ser consistentes, mas de outra forma podem ser criados pelo livre arbítrio do matemático. Se essa descrição fosse precisa, a matemática não atrairia nenhuma pessoa inteligente. Seria um jogo com definições, regras e silogismos sem motivação ou objetivo. A noção de que o intelecto pode criar sistemas de postulados significativos ao seu capricho é uma meia verdade enganosa [...]. (REES apud COURANT, ROBBINS, 1962, p.9).


    A matemática, portanto, é estruturada utilizando-se de elementos abstratos, mas que são explícitos, e inequivocamente especificados, entre si, o que permite a edificação de um sistema abstrato independente, pois faz sentido dentro da sua estrutura lógica particular, o que não quer dizer, porém, que não possa expandir-se à medida que novas variáveis são levadas em conta.

 A percepção da existência dos Números Irracionais, possivelmente por Hipasso, de Metaponto, criou uma tensão na cosmologia pitagórica, o que fez com que seu descobridor fosse banido e visto como um traidor das doutrinas místicas da sua comunidade. No entanto, mesmo o fanatismo não foi capaz de frear a expansão da teoria dos conjuntos. Tais levantamentos levaram a diversos questionamentos: afinal, de onde veio esses números desconhecidos? Foram inventados ou descobertos? Se foram descobertos então eles já estavam ali? 

    Quando as demais ciências mudam a interpretação de seus resultados é porque provavelmente novos dados surgiram, e suas teorias foram falseadas, mas, para o matemático Ian Stewart, quando algo análogo acontece no domínio da matemática é porque houve algum possível erro de cálculo. No segundo caso, os resultados obtidos são feitos por meio de uma construção sistemática, permitindo que se chegue a resultados imprevisíveis para o matemático, portanto, não se trata de uma invenção, mas de uma descoberta dentro da própria invenção. 

    A geometria plana funciona hoje tão bem quanto há dois mil anos, se dando pela simplicidade do seu método axiomático, e dedutivo, paulatinamente construído por Euclides. 

    Nesse sentido, as correções matemáticas são feitas voltando para as verdades mais básicas que compõem aquele sistema, por meio de uma reconstrução das suas estruturas lógicas, através da dedução, e não pelo seu descarte - cabe lembrar que na ciência moderna as teorias nunca são substituídas completamente por outras, mesmo na mais empírica das ciências. 

    A invenção das geometrias de espaços curvos trouxe uma série de implicações, tanto na matemática quanto na física. Quando aplicada à natureza, a geometria de Euclides é efetiva para regiões bastante restritas, todavia, em escala astronômica o mesmo não acontece. 

    Diante disso, não é por acaso que Einstein tratou de temas voltados para a epistemologia. Por um lado, a física passava por uma total quebra de paradigma na sua época - da qual ele fora um dos responsáveis, por outro, seus estudos sobre espaços curvos lhe direcionaram naturalmente para essa problemática, como ele próprio escrevera em um artigo, publicado em 1926(3). 

    Outra questão, levantada pela emergência das modernas geometrias junto às novas descobertas científicas do começo do século XX, é a da relatividade da própria matemática. Carl Sagan achava que se uma civilização inteligente tentasse nos contatar, a linguagem que usariam seria certamente a matemática, visto que é uma linguagem universal. Entretanto, nossa matemática é fruto de um cérebro cuja complexa trajetória evolutiva é singular. Nesse sentido, uma civilização que evoluísse, em condições distintas da nossa, poderia criar uma outra matemática?


Cosmometria

    Se pudéssemos reproduzir, na vida real, o fenômeno matemático das retas paralelas, prolongando-as indefinidamente no espaço, o que nos garantiria que não haveria um ponto de intercessão entres elas em algum momento? Um dos axiomas mais famosos e controversos, de Euclides, diz que se uma reta ao passar sobre outras duas retas e criar ângulos internos menores que o ângulo reto, ao serem prolongadas, de maneira ilimitada, as duas retas irão se intersectar no lado onde encontram-se os ângulos menores que o reto. 

    Durante anos, matemáticos do mundo inteiro olharam para esse axioma com estranheza, tentando, em vão, elaborar uma demonstração que comprovasse a sua validade, uma vez que ele aparentava com um teorema independente dos demais axiomas. Mais tarde, percebeu-se que com a substituição do axioma das paralelas por outros era possível criar geometrias completamente diferentes da geometria euclidiana. Nos novos modelos geométricos a soma dos ângulos internos de um triângulo pode ser maior ou menor que 180 graus, a depender da sua curvatura e linhas paralelas que se cruzam em espaços geodésicos.



    Bernhard Riemann, Lobachevski, János Bolyai e Carl Gauss, ao desprezarem o quinto postulado de Euclides, chegaram a geometrias que fugiam do senso comum da época, porém, logo procuraram aplicações para suas descobertas na natureza. Mas, foi de uma forma bastante inesperada que a geometria dos espaços curvos mostrou uma das suas principais finalidades práticas. O espaço einsteiniano, por exemplo, utiliza-se da geometria não euclidiana. Nele, a curvatura de Riemann equivale à distorção do espaço devido a energia, visto que onde há massa o espaço é curvado. 
    A matemática por detrás da teoria da relatividade esconde uma série de implicações que foram difíceis de digerir mesmo para o seu criador. Desde Newton existia um problema dentro da cosmologia relativo à estabilidade do universo, suas ideias sobre a gravitação universal naturalmente levaram a conclusão de um possível colapso do universo. A força gravitacional em um universo finito poderia acabar por atrair toda a massa do universo para um ponto central, mas num universo infinito não haveria um ponto privilegiado para isso. As equações de Newton poderiam ter sido suficientes para prever a expansão do universo ainda no século XVII, porém o espaço newtoniano é absoluto, fato que era compatível com a ideia de Deus para Sir Isaac Newton.
    Foi apenas no século XX que suposições mais ousadas começaram a surgir. Em 1922, o físico e matemático Alexander Friedmann propôs que independente da direção que olharmos o universo pareceria o mesmo. Para ele havia uma homogeneidade na distribuição de energia (tal afirmação só é verdade em grandes escalas) e, à luz da relatividade de Einstein, sugeriu a possibilidade de uma expansão. 

    Em 1965, Arno Penzias e Robert Wilson, dois pesquisadores estadunidenses que estavam testando um sensível detector de micro-ondas, perceberam uma estranha radiação que vinha de todas as direções - hoje conhecida como radiação cósmica de fundo, um vestígio do universo primitivo, bem como, o indício de um universo isotrópico, mesmo que pretérito.

    Nos modelos de Friedmann houve um momento em que a distância entre as galáxias era zero. Portanto, a radiação em micro-ondas, que preenche o espaço, encontrada pelos dois pesquisadores, é derivada dessa densidade inicial. Porém, as conclusões de Friedmann tiveram pouca repercussão na época. 

    Em 1927, o padre, e cientista, Georges Lemaitre percebeu que uma das implicações das equações de Einstein era a de que o universo estava em plena expansão. Einstein já havia percebido isso, porém, tentou modificar as suas equações para equilibrá-las, com a crença de que o universo era estático, ao adicionar a sua constante cosmológica. 

   Quando as observações de Edwin Hubble demostraram que Friedmann e Lemaitre estavam corretos, Einstein assumiu que esse fora o maior erro da sua carreira. O termo teoria do “big bang” foi cunhado por opositores da hipótese de Lemaitre que, tal como Einstein, acharam um absurdo um universo em expansão que em algum momento havia sido tão pequeno quanto denso. Todavia, à medida que novas observações e medições foram sendo feitas, a teoria do big bang se tornou cada vez mais aceita na comunidade científica. 

    Se a expansão vai, de fato, continuar, tudo depende da taxa de expansão e da densidade do próprio universo. Levando isso em conta, temos basicamente três possíveis modelos de universo, um universo fechado, aberto e plano: 



    No primeiro caso, a quantidade de massa é tamanha que fará com que o universo desacelere e retroceda, sendo finito. No segundo caso, ele permanecerá se expandindo para sempre, de forma infinita. Em última instância, porém, apenas considerando a taxa de expansão crítica, o universo seria plano e infinito (HAWKING, 2015). 

    Quando foi descoberto que a expansão está acelerando, uma nova variável surgiu e foi chamada de energia escura. Diferente da matéria comum, ela é responsável por gerar uma forte e crescente repulsão. Hoje, muitos cientistas se perguntam se Einstein estava realmente tão errado assim, visto que a energia escura poderia ser vista como uma constante cosmológica até então desconhecida. Nosso universo é formado majoritariamente por esse tipo de energia escura que, ironicamente, não sabemos o que é ao certo, enquanto cerca de 4% do universo é composto por matéria normal, ou bariônica, e 22% matéria escura.

Conclusões

    O conhecimento matemático aplicado é de suma importância para o desenvolvimento científico, sendo bastante comum surgirem sujeitos anunciando que possuem teorias inéditas sobre a natureza - mesmo que estejam bem-intencionados, é importante que suas hipóteses estejam fundamentadas em linguagem matemática e que obedeçam ao rigor do método científico. 

    Embora haja divergências em relação a importância do rumo que a matemática trilhou nas últimas décadas, o caráter pragmático dessa linguagem, ainda assim, mostrou-se bastante efetivo em amplos campos da física moderna - como a teoria da relatividade e a mecânica quântica - e das ciências naturais, mostrando mais uma vez sua surpreendente onipresença mesmo dentro de áreas inesperadas - fenômeno que, desde a antiguidade, surpreende muitos estudiosos. 

    Matematizar os fenômenos não se trata necessariamente de fazer cálculos ou medições, mas de “revelar” uma estrutura oculta de relações, mesmo que, para isso, seja necessário criar objetos matemáticos completamente novos. 


REFERÊNCIAS 

CASTELVECCHI, David. How mathematics stopped being defined by reality – and started to invent new ones. [S.I]. Nature. v.613, 16 jan. 2023, p.431-432. 

CROWFORD, Paulo. O significado da Relatividade. [S.I]. Centro Cultural Português de São Tomé e Principe, 27 mai. 1994, p.3-23. EINSTEIN, Albert. Geometria e Experiência. [S.I]. 1921, p.1-5. 

(3)EINSTEIN, Albert. Geometría no euclídea y física. São Paulo: SP. Scientieae Studia, v.3, n.4, 2005, p.81-677. EUCLIDES. Elementos. São Paulo: SP. Unesp, 2009. 

(2)EINSTEIN, Albert. Geometria e Experiência. [S.I]. 1921, p.1-5.

HAWKING, S.W. Uma breve história do tempo. 1ed. Rio de Janeiro: RJ. Intrínseca. 2015. 

MADUREIRA, Bruno; MATIAS, Mariana; ROCHA, António et.al. A descoberta do Universo. Porto: PT. Universidade do Júnior Porto, 2011.

(∗)MARCHON, Fabio Lennon. Diálogos filosóficos em Educação Matemática. Niterói: RJ. UFF – Universidade Federal Fluminense. v.20, 2023, p.1-22. Disponível em: http://revistasbemsp.com.br/index.php/REMat-SP/article/view/745. Acesso em: 15 abr. 2023. 

OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Ensaio sobre o pensamento de Karl Popper. Curitiba: PR. Círculo de Estudos Bandeirantes, 2012. ON, Observatório Nacional. A Geometria dos Espaços Curvos ou Geometria NãoEuclidiana. p. 1-7. 

PIMENTEL, Reinaldo; SANTOS, Frederik Moreira dos. Sobre a efetividade da Matemática nas Ciências Sociais: uma abordagem pragmática estruturalista. [S.I]. Revista brasileira de ensino de física. v.42, n.20190297, 20 jan. 2020, p.1-12. 

REES, Mina. The Nature of Mathematics: Both constructive intuition and the study of abstract structures characterize the growth of mathematics. [S.I]. Science, v.138, n.3536, 5. out. 1962, p.9-12. 

RENOU, Marc-Olivier. TRILLO, David et.al. Quantum theory based on real numbers can be experimentally falsified. [S.I]. Nature. v.600, 15 dez. 2021, p.625-629.

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